segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lembranças de minha mãe

Lembranças de minha mãe
Acho que minha mãe se orgulharia de mim se ainda fosse viva. Pelo menos eu gostaria que ela se orgulhasse. Foi duro chegar até aqui, não sei se a vida não me deu muitas opções, se não soube optar pelos melhores caminhos ou se meu temperamento ajudou a complicar as coisas, tenho que confessar que não sou fácil!
O meu pai babava nos filhos então ia se orgulhar por qualquer coisa que fosse. Minha mãe não, ela era dura, exigente, dava muito valor a educação e sempre dizia: “Estudem para nunca ser dependentes de ninguém”. Ela não gostava de depender do meu pai, como só tinha o ginásio e parou de trabalhar logo depois que eu nasci descobriu que esta vida de esposa, mãe e dona de casa era pouco pra ela. Não demorou muito para que descobrisse uma forma de ter seu próprio dinheiro, mas estava longe de ser independente. Cozinhava muito bem, fazia lindos bolos confeitados, doces deliciosos e resolveu fazer cursos de bolos decorados, salgados e logo já estava fazendo Mickey, Pato Donald, Tio Patinhas, 3 Porquinhos, Margarida, Mine, docinhos, salgados, enfim, festas completas da decoração a comida, em pouco tempo todo condomínio onde morávamos, fora os amigos e parentes, já eram seus clientes.
Tudo começou no meu primeiro aniversario todo decorado pela minha mãe, ainda que de forma tímida e simples. Um lindo bolo com cara de coelho, muitas balas de coco e docinhos espalhados pela mesa, sem contar os salgadinhos dela que eram uma delicia! É claro que só descobri um pouco mais tarde, qdo já me deixavam come-los. No dia do meu aniversario minha mãe já fechava seu primeiro negocio. Era uma delicia, sempre sobravam docinhos e salgadinhos para darmos um fim. Esta no plural porque o tempo foi passando e meus dois irmãos mal chegaram e já quiseram dividir os doces e salgados que sobravam.
De todas as festas a que mais me marcou foi a do Pato Donald, o bolo e mesa decorada eram lindos, foi no aniversario do meu irmão. O bolo era coberto de coco ralado tingido com anilina, o casaco do Pato Donald era azul claro, a gravata vermelha, o chapéu azul escuro e claro, o bico laranja e sorridente fazia parecer que a felicidade dele por estar ali era tão grande que poderia sair brincando a qualquer momento. Lógico que o ciúme me bateu na hora e não deixei minha mãe em paz até que ela fizesse para mim o aniversário da Margarida. Claro, venci pelo cansaço.
A Margarida era linda, sorridente, toda confeitada com coco ralado tingido em tons pasteis e um laço enorme de fita vermelha de cetim na cabeça, tinha um olhar de canto, como se estivesse paquerando o Pato Donald. Foi o melhor aniversário do mundo, embora eu e meus irmãos tivéssemos festas deste tipo, cheias de doces e salgados deliciosos todos os anos, essa foi incomparável, talvez pelo gostinho de vitória.
As fotos me ajudaram por muitos anos a lembrar disso tudo, mas infelizmente todas estas fotos estavam em slides, habito do meu pai que adoram fazer sessões no fim de semana para vermos as fotos através de um projetor que ficava refletido na parede da sala de jantar. Pena que mofaram por ficar tanto tempo no porão da minha tia, depois que meus pais morreram. Mas ainda tenho algumas na memória e outras em papeis fotográficos já meio desbotados, estas são as únicas recordações que tenho dos meus pais de quando eles ainda eram vivos.
Paro para pensar e vejo que preciso tirar mais fotos com meus filhos agora. Porque deles pequenos tenho muitas, mas deles adolescentes não. Ahhhh filhos… Tirem fotos, muitas fotos, elas nos ajudam a manter viva as memórias de momentos importantes, divertidos, mas facilmente esquecíveis ao decorrer das décadas. Acabo de intuir que preciso de uma filmadora. Urgente!
Mas voltando a minha mãe, nada disto foi o suficiente. Ela resolveu vender roupa em casa. Montou uma loja retrátil no quarto do meu irmão, que também era usado como sala de televisão, pois não tínhamos TV na sala. Chamo de loja retrátil porque quando vários dos armários se abriam parecia mesmo que se estava numa loja, a escrivaninha era o escritório, as prateleiras divididas por numeração e em cada porta um estilo diferente de roupa. Compradas no Brás, José Paulino e até no interior, eram vendidas para o condomínio inteiro que traziam amigas, primas, irmãs e mães. Era um entra e sai de mulherada, naquela época a maioria das mulheres era dona de casa e professora, então estavam sempre tomando café uma na casa da outra nas horas vagas.
Bom, o café passou a ser lá em casa e a central de fofocas também. Mas quando meu pai chegava nunca tinha ninguém. A casa estava sempre em ordem e o jantar quase pronto, era ele tomar banho e todos sentavam juntos pra jantar, menos minha irmã que era pequena nesta época e às vezes já estava no berço.
Minha mãe sempre tinha dinheiro para comprar as suas roupas, bolsas, sapatos, ela era fanática por sapatos de salto. Chiquérrima e arrumadíssima sempre, ela precisava de altura já que era baixinha, 20 cm a menos que meu pai, situação insuportável para ela…rsrs. Com a gente era igual, ela comprava tudo que precisávamos, tínhamos que andar sempre arrumadinhos, toda vez que ia fazer as compras para a lojinha e voltava com vários presentes para nós, não deu outra, a mulherada do condomínio que já tinha conta, marcava na caderneta e pagava por mês, começou a pedir roupa de criança como as nossas. Chego a pensar que minha mãe instintivamente era uma ótima marqueteira, pois tudo que fazia para nós virava negócio para ela.
Não sei por que, talvez por falta de capital para investimento, minha mãe chamou a prima dela pra ser sócia da parte infantil. Ela topou e logo já estavam fazendo as compras para inaugurar a sessão infantil na loja retrátil no quarto do meu irmão. Para a inauguração do novo departamento da loja resolveram fazer um desfile de modelos adultos e infantis. Não preciso nem dizer que os modelos infantis não tiveram escolha, eu, meus irmãos e primos fomos intimados. No final eu adorei, também desfilaram minha prima da minha idade, uma prima adolescente, uma prima casada já perto dos vinte e cinco anos e duas tias de uns trinta e poucos, irmãs do meu pai, já mais gordinhas, para representarem a maioria das clientes.
As modelos levavam pratos de petiscos e minha mãe e minha tia forneciam o chá, o café e o suco, ah…. e o detalhe mais importante claro, o desfile foi no meu apartamento. Como era primeiro andar e minha mãe conhecia o condomínio todo, inclusive nesta época meu pai era sindico, nunca tivemos problemas com vizinhos por conta da bagunça. Aconteceu num sábado, me lembro até hoje da minha mãe advertindo meu pai pela manhã_ “Vá logo para o clube, preciso arrumar a casa pro desfile e como vai ser só à tarde, vai terminar só no fim do dia, então, demore pra chegar.”
O desfile foi um sucesso, a mulherada amou, levaram as mães, irmãs, fofocaram uma tarde inteira e compraram para elas e para os filhos, mas algumas antes de ir embora foram dizer no pé do ouvido de minha mãe que no próximo desfile, elas queriam ser as modelos. Lembro das muitas risadas que minha tia e minha mãe deram depois disso. O negocio cresceu e as crianças do prédio e dos parentes consumiam roupas e festas. A esta altura minha mãe tinha até cartão de visita para o negócio das festas que precisou ser ampliado e começou a oferecer shows de palhaços, bexigas de bichinhos, mágicos e maquiagem.
Minha mãe estava feliz, por alguns anos vendeu roupas e fez festas, no início da minha pré-adolescência os desfiles eram no salão de festas do condomínio, com varias modelos, eu nesta época inclusive cheguei a pensar em seguir carreira modelo. Até alguns homens começaram a acompanhar as mulheres aos desfiles pra comer os salgadinhos, docinhos e fazer o cheque no final. Nesta época não usava mais nada do que minha mãe vendia, gostava de ir ao shopping comprar minhas roupas, já tinha enjoado de comer salgadinhos, docinhos e nem reparava mais quais eram os personagens que enfeitavam os bolos.
Me lembro da minha mãe vendendo roupas e fazendo festas até nos mudarmos de São Paulo, quando fomos atrás de uma promoção do meu pai. Só hoje vejo que ela foi contra a vontade, pois precisou deixar o seu negócio por conta da carreira do meu pai. Foi nesta época que minha mãe começou a dizer que deveríamos ter uma profissão, não adiantava ganhar dinheiro como ela fazia, em casa, isso não tinha valor e não era suficiente para manter uma família, precisamos ter uma profissão. Tenho certeza que puxei dela esse excesso de exigência comigo, com meus filhos e com o mundo…
Mãe onde quer que esteja saiba que fiz o melhor que pude e que eu me orgulho do caminho, que com erros e acertos escolhi até agora, mesmo que algumas coisas tenham demorado mais do que eu previa, hoje esta como eu quero. O caminho ainda não acabou, é longo, mas meu passo já esta bem mais forte e equilibrado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário