terça-feira, 12 de abril de 2011

O CONVITE

No início da madrugada me é feito o convite ao inusitado. Convite de viver durante algumas horas algo que não tenho idéia onde vai dar. Nada faz sentido algum, é estranho, mas excitante, é assustador ao mesmo tempo em que inevitável e imprescindível. Aceito o convite, é claro, afinal o inusitado é sempre bem vindo. Sem ar e de braços dados com o inconsciente, sigo pelo caminho, uma estrada escura onde o farol nos mostra quase nada, mas o vento que entra pelas janelas do carro, gela-me a alma e refresca o suor do meu rosto.

 Entre um cigarro e outro, as revelações são lançadas as metades, onde os intervalos entre elas fazem parte do jogo. Jogo onde se testa a confiança, onde se compartilha a sombra, toca-se e tateia-se cada sentimento do self. Jogo perigoso dilacera e nos defronta com nossos demônios. Nos faz lamber as feridas, já que ainda não é hora para a cura. Mente aberta, focada e alerta, mas corações sangrando e almas perdidas num breu profundo e silencioso, aos poucos cúmplices e amantes. Sombras amantes, pois só elas ousam se tocar. Na parede observo a coragem das sombras, com ela deliro, a fim de poder através dela, sentir seus cabelos, seu rosto, sua boca.

 Estamos um a fitar o outro, a testar limites e dor, a descrever sentimentos, falar de amor. No auge de nosso presente incrédulo e improvável, revisitamos o passado na busca de um caminho com rumo ao futuro. Vivo este segundo quase sem respirar, pois como momento único tento retê-lo ao máximo.  Estou imóvel e dilacerada, por mais que eu queira não consigo me mexer, preciso tocá-lo, meu corpo pede, grita, implora, mas algo me impede.

 Estou gelada e de frio, chego a tremer. De novo o impulso do toque na pele, no cabelo, mas só os olhos são capazes de se aproximar. Observo o homem, o menino, a sombra e o futuro pai. Pai, já vitorioso, pois imerso na bolsa junto a seu filho, quer fazer-se melhor, mais digno de sua missão. Lutando com seus demônios para superar os medos do desconhecido, doença de sua alma, e no pavor de repetir erros vividos outrora, nem percebe que já está surgindo de suas entranhas, um novo ser. Sensível, profundo, extremamente verdadeiro e com todos os defeitos e inquietações derramando de suas feridas.

Feridas que ão de cicatrizar. Quero ajudar, dar colo, cafuné, apertar contra meu peito, mas não ouso. Petrificada, finjo por um instante que está deitado em meu colo, que passo meus dedos entre seus cabelos, que beijo sua boca úmida, que o aperto com força e curo suas feridas. Meu corpo esquenta e com o calor me movo, mas em sentido contrario ao seu corpo, que me atrai como um ímã, mas me esquivo.

No toque sutil da despedida, me dou conta do quanto foi único, especial e íntimo. A troca de energia, confiança, respeito e admiração foram de um êxtase nunca por mim experimentado. Por mais fundo que tenhamos chegado, por mais absurdo que possa parecer, agora faz todo sentido. O coração afinal tomou de volta seu lugar de senhor absoluto do nosso corpo, o deixamos gritar, espernear, sonhar, viajar até que você mais leve e forte, pudesse voltar do exílio de si mesmo para a vida de novo enfrentar.

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